Desejos de boas festas

Tenho o hábito de mandar pequenos textos de boas festas para amigos e íntimos. Pensei que poderia repescar alguns deles para este blogue. Este foi um dos primeiros, já com uns anos. Há coisas nele de que ainda gosto, outras já não. Mas fica para eventuais leitores.



Uma história de reis

Muitas vezes as histórias demasiado conhecidas tornam-se invisíveis e deixamos de ver o que elas nos dizem. Por isso é bom que haja alturas do ano em que lavamos as histórias à nossa volta para as vermos com mais clareza.

A história dos três reis magos é uma delas. Não sabemos se seriam três ou se seriam reis. Mas terá havido uma altura em que magos da remota Babilónia olharam para o céu e viram uma estrela a ocidente. Ou melhor, viram milhões de estrelas no céu. Mas houve uma que eles amaram, que falou com eles, e que eles, por magia ou matemática, acreditaram que os levaria a visitar o nascimento do rei dos judeus. Por isso fizeram as malas, interromperam o seu trabalho, despediram-se das suas famílias e partiram de suas casas.

O que os levaria a fazer isso?
O que é que naquela estrela – um único pontinho de luz no meio de milhões de outros pontos de luz – os fez abandonar casa, família, trabalho e lançarem-se numa viagem longa, árdua, de muitas semanas no deserto, sujeitos à fome, à sede, aos ladrões e animais selvagens, para visitar o nascimento de um filho de um rei longínquo sobre o qual sabiam tão pouco?
Talvez acreditassem que o rei dos judeus era um homem rico, que recompensaria o seu saber com riquezas ou os contratasse para o seu serviço. Talvez desejassem trocar saberes com os sábios que viveriam naquela corte. Talvez quisessem simplesmente usufruir das esplêndidas festas que se dariam em honra do menino. Talvez fosse por isso que sofreram fome, frio, cansaço e perigos.

E o que teriam eles pensado quando, chegados ao ponto que a estrela lhes apontava, em vez de um sumptuoso palácio repleto de luzes, música, vinho, iguarias, ciência, ouro e alegria, encontraram um estábulo de animais? Um estábulo onde nascera um menino, é certo, mas um menino nu, cujos pobres pais mal compreendiam a língua que os sábios falavam.
Que teriam então pensado os sábios? Talvez tenham ficado paralisados pela confusão. Talvez tenham culpado a estrela lá no alto pelo engano. Talvez se tenham culpado entre si. Talvez se tenham insultado, gritado ou mesmo agredido e deixado correr lágrimas de dor e frustração.
Depois, embaraçados pelo espanto com que a família do estábulo olhava a sua algazarra, e comiserados pela sua pobreza, deixaram-lhes os presentes que tinham trazido para o menino que julgavam ser o rei dos judeus - ouro, incenso e mirra – coisas que de pouco serviam a uma família a quem talvez faltasse o fogo, a comida e um tecto de seu.

E depois voltaram para casa.
Semanas e semanas a atravessar o deserto, a dormir ao relento, sujeitos a ladrões e animais ferozes, à fome, à sede e ao frio, já sem uma estrela para seguir, a remoer a tristeza e a temer a chacota de amigos e vizinhos por terem abandonado tudo para ir atrás de uma estrela.

Mas foi terem seguido essa estrela que hoje os conhecemos. Não terão encontrado ouro, nem ciência, nem mesmo uma festa, mas encontraram uma história. Uma história que durou milénios e chegou até nós. E graças essa história conseguiram mais do que alguma vez imaginavam, conseguiram que o mundo os chamasse reis, pois só é verdadeiramente rei aquele que é capaz de deixar a sua vida para ir atrás de uma estrela.

Nesta época em que voltamos a reencontrar pessoas e histórias, fica o meu desejo de que todos possamos encontrar uma estrela que nos leve, se não à fama, à fortuna ou ao saber, pelo menos a uma boa história.

Boas festas,
Jorge Palinhos
Dezembro de 2010