A livraria



O filme A Livraria é um objeto estranho. Uma adaptação de um romance inglês, falado em inglês, produzido e realizado por catalães, e premiado em Espanha. É também uma fábula que, sem esconder as suas raízes literárias, não procura o naturalismo, apostando num distanciamento artificial, a fim de lembrar que aquilo que se vê não é uma qualquer imitação da realidade, mas um símbolo que faz parte da realidade de quem vê o filme.
Encontramos simbologia em todo o enredo: Florence Green é uma viúva de guerra que, nos anos 50, se estabelece numa pequena localidade inglesa a fim de abrir uma livraria num antigo casarão abandonado. A sua iniciativa vai enfrentar o ceticismo dos locais, mas também a viva oposição da mulher mais poderosa da vila, Violet Gamart, que decide subitamente que o mesmo casarão tem obrigatoriamente de se tornar num Centro de Artes, usando o seu dinheiro e influência política, e a conivência de banqueiros, políticos, jornalistas e até dos habitantes humildes da aldeia, para desalojar Florence Green. Esta conta como aliados apenas uma menina ainda despida de hipocrisia, e um literato misantropo, cuja falta de dotes sociais o torna totalmente inútil.
A história escrita por Penelope Fitzgerald é claramente uma fábula política sobre cultura, sobre classes sociais e sobre poder.  E lá pelo meio torna-se curioso o facto de Gamart opor um centro de artes comunitário à livraria privada de Green, lembrando-nos assim que o comércio não é anti-ético em relação à arte, desde que o próprio comércio não se demita da ética. E que nem toda a arte é boa para a sociedade, se o seu único fim for a vaidade.