Sem contos


O conto é provavelmente dos géneros literários mais alheios à mentalidade portuguesa, só ultrapassado pela literatura dramática.
Já foram incontáveis os editores que me disseram que os contos não vendiam, e ainda mais os leitores que reconheceram não os ler. As razões que me deram eram quase sempre vagas: “não permitia conhecer bem as personagens”, “gostava da sensação de imersão de um romance”, “parece que acaba mal começou”.
É verdade que Portugal nunca teve grande tradição de contos. Se teve poetas, romancistas e dramaturgos importantes, é difícil pensar em algum grande contista. Remontando ao primeiro contista português, Gonçalo Fernandes Trancoso, que se limitou a compilar e imitar contos populares no seu tempo, são pouco mais de um punhado de contistas que se destacam em Portugal, como Branquinho da Fonseca, Álvaro do Carvalhal, Sophia de Mello Breyner Andresen, Maria Judite de Carvalho e pouco mais. Em comparação, o Brasil está cheio de contistas de importância universal, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, e muitos muitos outros, que ombreiam com Heinrich Von Kleist, Guy de Maupassant, Edgar Alan Poe, Franz Kafka, Jorge Luís Borges, Donald Barthelme e boa parte dos escritores que compõem a espinha dorsal do cânone literário ocidental.
Num país com pouco tempo para a leitura seria de imaginar que o conto, pela brevidade, rápido desenlace e satisfação seria extremamente popular. Mas não. Nem o facto de ser o género mais dado ao experimentalismo, ao bizarro, ao inusitado, ao surpreendente, a atirar-nos janela fora da ficção e fazer-nos ver mundos incompreensíveis que não se esquece, a fazer-nos compreender personagens de um relance de uma forma mais profunda do que alguma vez seríamos capazes de abarcar as personagens dispersas dos romances.
Não, nada disso importa. Contos, nunca.