Fracasso
(Este post é uma versão traduzida e adaptada de um texto que escrevi para o catálogo "How not to win an architectural competition", organizado pelo Ephemera Collective.)
Talvez por estar associada à infância e à família, a quadra natalícia é-me feita de memória e perda. Como em todos os rituais, do que se repete fica o que muda, o que se ganha e o que se perde.
Na infância costumava ler e adorar os livros em que o herói triunfava sempre, como a "Ilha do Tesouro" ou "A Flecha Negra", de R.L. Stevenson, "Ivanhoe", de Walter Scott, "Os Três Mosqueteiros" ou "A Tulipa Negra", de Alexandre Dumas.
E, pelo contrário, detestava "O Capitão Fracasse", de Téophile Gautier, um romance inspirado na personagem do soldado fanfarrão, da Commedia dell'Arte: uma personagem garrida que entra no teatro entre trovões e promessas grandiosas, para sofrer humilhação atrás de humilhação, até ser expulso da história ainda antes de ver o seu final feliz.
Gostaria de me gabar não ter tido derrotas na minha vida, gostaria até de me gabar de ter tido só derrotas, o que sempre faria de mim o maior dos capitães Fracasse.
Mas não. As minhas derrotas são como as de tantos outros: uma rebentação indecisa entre pequenas vitórias e pequenas derrotas, entre lançar-me com entusiasmo nas histórias novas que surgem, e retirar-me delas em silêncio, na perplexidade de não estar certo do impacto do que realmente fiz.
Por isso, lentamente, a personagem daquele soldado inútil e gabarola tornou-se verdadeira e doce aos meus olhos, por ser aquele que se lança nas novas aventuras com todo o entusiasmo, e se retira delas sem saber realmente o que fez, mas talvez tendo contribuído à sua maneira, e sem o saber, para um qualquer incógnito final feliz.
É pensando nessa personagem, ridícula, mas também tocante, que cada capitão Fracasse que partiu este ano dê lugar a novas personagens que tragam mais histórias, mais aventuras, e mais esperanças para o ano que agora entra.