Não o queria
«Ele
anda sempre atrás de mim. Eu não o queria. Disse que não, que não.
Mas o rapaz dizia que não tinha a quem o dar...», contava o homem
velho e corpulento, com os olhos azuis pousados no gatinho creme, de
olhos também azuis, que se ocupava a sacudir um ramo de arbusto com
a pata direita.
O homem continuou a falar: da juventude, da guerra em África, da mulher morta há 14 anos, da rotina, da irmã com quem falava por telemóvel, da filha que morava longe. «Também tive um filho, mas esse só deu problemas.» E não se falou mais dos problemas ou do destino do filho. E depois a rotina. A casa onde dormia, o restaurante onde almoçava e jantava. E concluía. «Sabe para que é que é boa esta terra? É boa para morrer.»
O homem continuou a falar: da juventude, da guerra em África, da mulher morta há 14 anos, da rotina, da irmã com quem falava por telemóvel, da filha que morava longe. «Também tive um filho, mas esse só deu problemas.» E não se falou mais dos problemas ou do destino do filho. E depois a rotina. A casa onde dormia, o restaurante onde almoçava e jantava. E concluía. «Sabe para que é que é boa esta terra? É boa para morrer.»
E
o gato? «Deixo-o andar para aí. Arranjei-lhe uma cama de espuma
para ele ter onde ficar. Compro leite e dou-lho. Quando há peixe no
restaurante peço postas a mais para lhas trazer. Até se regala. E
não me larga.» E voltou a baixar os olhos para o chão onde,
desatento, o pequeno gato creme dava grandes pulos em redor de um
carreiro de formigas.