Temos medo
«(...)Um
dia tivemos uma conversa na aula. Perguntaram-me, para onde foram
eles? As árvores, a salamandra, os peixinhos tropicais, Edgar, os
papás e mamãs, Matthew e Tony, para onde foram? E eu disse, não
sei, não sei. E eles disseram, quem sabe? E eu disse, ninguém sabe.
E eles disseram, é a morte que dá sentido à vida? E eu disse que
não, a vida é que dá sentido à vida. E eles disseram, mas não é
a morte, tida enquanto elemento fundamental, o meio através do qual
a mundanidade banal do quotidiano pode ser transcendida no sentido
de…
Eu
disse, sim, talvez.
Eles
disseram, não gostamos disso.
Eu
disse, faz sentido.
Eles
disseram, é uma vergonha!
Eu
disse, pois é.
Eles
disseram, agora pode fazer amor com Helen (a nossa professora
assistente) para nós vermos como se faz?
Sabemos
que gosta da Helen.
Eu
gosto da Helen mas disse que não o fazia (…)
Eles
disseram, por favor, por favor faça amor com Helen, precisamos de
uma reafirmação dos nossos valores, temos medo.
Eu
disse que eles não deviam ter medo (apesar de eu próprio ter muitas
vezes medo) e que se encontravam valores por todo o lado. A Helen
veio e abraçou-me. Beijei-a alguma vezes na testa. Abraçamo-nos. As
crianças ficaram entusiasmadas. Bateram à porta, eu fui abrir e o
novo hamster entrou. As crianças entraram em delírio.» (Donald
Barthelme, "A Escola")