Worst Of




"Worst of", do Teatro Praga, parte de um conceito fascinante: interpelar o património teatral português, voltando a encená-lo, ao mesmo tempo que se comenta a sua relevância hoje. Seria uma ótima oportunidade para questionar as noções de cânone, património, efemeridade ou perdurabilidade do teatro e da arte, ou mesmo a natureza controversa do teatro português, sempre a meio caminho entre a celebração acrítica, o desdém artístico, a memória vaga e o esquecimento generalizado.

O espectáculo decorre entre um palco ficcional em que atores regulares do Teatro Praga interpretam cenas icónicas do passado do Teatro Português - de Gil Vicente até ao próprio Teatro Praga -, com grande virtuosismo interpretativo, mas vincando um lado paródico e cabotino desse teatro; e um palco real onde atores convidados comentam as cenas que vão surgindo, numa interpretação aproximada ao naturalismo cénico. É um dispositivo cénico próximo do spoof movie, de que são exemplo Scary Movie, Disaster Movie, Not Another Teen Movie, etc. Na senda, aliás, de Padam Padam, o "filme-catástrofe" que a companhia já tinha feito em 2009.

Todavia, as cenas de comentário são assentes em opiniões sem sustentação intelectual ou emocional, muitas vezes transmitindo mais indiferença dos atores em relação ao legado teatral que é exposto, do que qualquer real aceitação ou rejeição. Aliás, o auge reflexivo desse comentário é uma longa variação da palavra "merda", que evoca o Rei Ubu, de Jarry, ativa a hilariedade que as obscenidades costumam provocar no público, mas pouco diz sobre como lidar com a ideia de património ou de teatro português: rejeitá-lo?, ridicularizá-lo?, esquecê-lo?

É curioso constatar que o retrato que o espectáculo faz do teatro português se restringe exclusivamente à sua dramaturgia dita erudita, deixando a sua história de atores, encenadores e companhias teatrais, do seu teatro popular e musical, do teatro de revista, etc., o que é surpreendente para uma companhia que construiu a sua carreira a negar o predomínio do texto sobre a cena, a dinamitar as fronteiras entre cultura pop e cultura erudita, e até fez uma leitura pós-moderna excecional da revista à portuguesa em "Tropa Fandanga".

Mais curioso ainda é refletir que o espectáculo acaba com uma encenação do próprio espectáculo dentro do espectáculo.  Tal estratégia - de se incluir a si próprio nas sátiras que constrói - é recorrente no Teatro Praga. Se esta era uma estratégia que dava frescura, irreverência e até algum niilismo retórico às obras da companhia durante a primeira fase da sua carreira, neste momento parece já uma fórmula, em que é pouco provável que os próprios criadores do espectáculo possam acreditar. Especialmente porque, ao aparentemente ridicularizarem-se a si próprios ao lado de Gil Vicente, Almada Negreiros, Bernardo Santareno, etc., estão subtilmente também a canonizarem-se a si próprios enquanto teatro erudito e respeitável. Mesmo que não nos deixam qualquer pista sobre o real significado dessa entrada no cânone.