Um natal de pastelaria


 As pastelarias são infernos de Natal. Pessoas encharcadas, agitando guarda-chuvas a pingar, atropelam-se para terem o melhor pão-de-ló, o bolo-rei com mais frutas cristalizadas, empilham caixas dentro de sacos de plástico num esforço para que os doces cheguem secos e intactos à mesa de Consoada.
Esta pastelaria não era muito diferente, com as montras derreadas de bolos, e com mesas adicionais montadas para as coroas de massa cozida que já não cabiam nos lugares do costume.
Mas ao balcão a mole de clientes era maior, mais impaciente do que o costume, inquietada por relógios, horários, compromissos e tarefas, entreolhando-se e lançando expressões acusatórias às empregadas.
Estas, quase indiferentes, estavam paradas a escutar um homem. Era um homem já de idade, cujos membros ainda guardavam vigores insuspeitos. O homem não comprava nada. Falava. Falava. Falava de comida, de bolos, de bebida, de saúde, de esperanças para o próximo ano. Das pequenas coisas que só interessam ao desespero de ser escutado. E as duas empregadas escutavam-no, por vezes lançando olhares de escusa para os restantes clientes, mas concentrando toda a sua atenção na conversa banal daquele cliente, como se ele lhes transmitisse o segredo mais importante.
E a multidão de clientes impacientava-se. Alguns saíram, outros faziam ruídos e lançavam olhares de súplica. Mas nenhum se atrevia a interromper, a levantar a voz.
Por fim, uma das empregadas despediu-se do homem, com um sorriso e desejos de um ótimo natal, e foi atender outro cliente, que pediu um bolo-rei recheado de gila. E ver o bolo passar diante de si o cliente idoso pareceu despertar, ter consciência da massa humana que esperava atrás de si. E foi com um sorriso radioso, de quem acabou de receber o melhor presente de sempre, que falou para toda a gente: - Uma pessoa está na conversa e nem se apercebe do tempo a passar. Desculpem. Querem bolo? Aquele tinha mesmo bom aspeto. Posso oferecer bolo a toda a gente?
Apressada, a maioria dos clientes recusou polidamente, mas um silêncio respeitoso tinha-se instalado na pastelaria, como se subitamente todos aqueles bolos, tortas e folhados tivessem perdido o seu brilho perante o magnífico presente que aquelas empregadas de balcão tinham acabado de oferecer a alguém.