Crónicas em revista (4)

 


 

(Continuo a publicar aqui algumas crónicas antigas, que ainda carrego comigo. A terceira foi uma crónica para a página do Bairro dos Livros, do Jornal de Notícias, publicada em Abril de 2013)

 

O rosto dos livros

Jorge Palinhos

As primeiras histórias que descobri nos livros, foram as suas capas que mas contaram. Era ainda pequeno, com menos de cinco anos, e encontrava-me no estado misterioso e irrepetível em que as letras são desenhos que só falam com as outras pessoas. Quando ficava só entre os livros, dedicava-me a olhar-lhes intensamente as capas e a tentar adivinhar-lhes o conteúdo através das cores, dos desenhos e das fotografias, inventando as histórias que cada capa contava. Gostava mais das capas com desenhos, por serem as que me davam histórias mais minhas, breves e inseguras, que chegavam aos muros da minha vida: as paredes da casa, o pátio, a escola, a família. Algumas dessas histórias ainda tenho na memória, mesmo que depois tenha lido os livros dessas capas e saiba que nada contam do que imaginei.

Mas apesar disso, ou talvez por isso, sou daqueles que não se importa de julgar um livro pela sua capa. Adoro as capas que falam do mistério do livro, que levantam em volta dele um véu que dá vontade de rasgar, abrindo o livro para o ler. E de igual modo desprezo as capas que me vendem histórias como carcaças de porco: sangrentas, alarves e mortas.

A capa é o rosto dos livros, a primeira coisa que nos capta o olhar e nos seduz: os seus olhos, as suas pestanas, a sua boca, os seus lábios, a sua voz. No meio da multidão ansiosa e carente de livros que tomou de assalto as livrarias, gosto das capas silenciosas, recatadas, intensas, que olham através de nós, como se o livro que guardam conseguisse ver mais longe do que aquilo que julgávamos possível. São essas as capas que me chamam ao livro, me fazem tocá-lo, segurá-lo na palma da mão, estalar-lhe a lombada e passar os dedos e os olhos pelas páginas devagar.