A Noite do Caçador




O Sérgio já escreveu sobre ele, mas eu não consigo deixar de sublinhar o filme assombroso que é.
Numa arte como o cinema, tão marcada por limites, técnicas e convenções, A Noite do Caçador parece um meteoro fílmico, que se inventa sozinho, juntanto elementos do expressionismo alemão, da Bíblia, dos contos de fadas e dos pesadelos infantis que passamos a vida adulta a tentar esquecer.
Charles Laughton foi um ator que passou a maior parte da carreira a emprestar o seu corpo a monstros, e por isso conseguiu exprimir no único filme que dirigiu a verdadeira essência da monstruosidade: feita de certezas, narcisismos, necessidades egoístas e a mais completa ausência de empatia para com os outros.

Tanto as personagens do Reverendo Harry Powell como da Sr.ª Rachel Cooper têm, no filme, a boca cheia de palavras de deus. Mas Powell usa-as para se engrandecer e muralhar as suas certezas, enquanto Cooper as usa para se interrogar e para exprimir as suas dúvidas perante o caos da existência. Entre um e outro está o fosso entre o bem e o mal, conceitos que julgávamos ultrapassados, mas que os nossos dias políticos resgatam das profundezas para nos perseguirem com elas, com a ferocidade implacável de um Reverendo Powell.