Aniversário



"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos", diz Álvaro de Campos, "Eu era feliz e ninguém estava morto", num poema sobre o tempo que se perdeu e vive emboscado numa esquina da memória, pronto para nos assaltar quando o achávamos perdido ou resolvido. Não admira que seja um poema muito partilhado por trintões, quarentões e outras vítimas da meia-idade.
Durante anos o poema fez sentido para mim. O sentido de pensar que o aniversário só importa na infância, quando o tempo é grande como uma divindade, que acreditamos nos irá acarinhar como a um filho dileto. Com o passar dos anos, o aniversário torna-se passo solene rumo à perda e ao desaparecimento; felicidade irónica pelo que não fizemos, e que quase sempre parece maior do que aquilo que temos.
Ultimamente tenho pensado que o aniversário faz mais sentido na idade adulta do que na infância. De celebração egocêntrica da existência de alguém - como se o facto de existir fosse já mérito suficiente - torna-se ritual íntimo de reconhecer o tempo, de ganhar consciência dele, de olhar para nós e entender o que sobreviveu.
Afinal, o aniversário é a festa da sobrevivência. Da sobrevivência que é coisa pouca para quem pouco viveu, mas preciosa para quem já viveu alguma coisa, quem sobreviveu, quem subviveu, e perdeu, e descobre ser miraculoso continuar a ser o mesmo quando quase toda a vida que se viveu parece ter ficado pelo caminho.