Com o diabo no corpo, de Raymond Radiguet


A idade é um mito que tende a desaparecer com o tempo. Será que este livro teria tido tanta força se não tivesse sido escrito por um rapaz de 17 anos, ou não estivesse coberto por um véu de autobiografia?

Mas longe do foco de escândalo de um menor que se envolve amorosamente com uma mulher mais velha, o que desconforta no livro é o narcisismo do narrador, para quem o amor é conscientemente um ficção que engalana a satisfação dos seus apetites. Os apetites da juventude, dourados pelo saber literário e a lucidez de escrita, de Raymond Radiguet, um evidente herdeiro da literatura libertina francesa.

Longe de ser uma história de amor, este é um livro sobre a ficção amorosa que um adolescente francês inventou para combater o tédio dos anos de guerra e a história de uma mulher que aceitou subjugar-se a essa ficção, por razões que nunca chegamos a compreender. O livro, pela voz do narrador adolescente, reduz Marthe, a mulher, a um ser passivo, dócil, dependente. Um boneco do desejo narcísico do narrador de invadir as vidas alheias e dominá-las.

Talvez mais do que o egoísmo juvenil do narrador, o segredo desta história seja a inquietação que suscita a identidade desta mulher, e a angústia que lança sobre o leitor de também ele poder ser uma mera ficção de um qualquer narrador egocêntrico e indiferente, para quem preencher a vida dos outros é a única coisa que realmente importa.