A crítica
(Estátua ao crítico de cinema Roger Ebert)
Jean Sibelius afirmou que nunca ninguém ergueu uma estátua a um crítico, procurando assim desdenhar do valor e, claro, importância social dos críticos. Factualmente, esta frase já não é verdadeira, mas continua a exprimir o desdém que a crítica tem ganho em décadas recentes, em que se passou a valorizar a expressão individual, independentemente da relevância para a arte e sociedade, e os resultados de bilheteira, em detrimento da avaliação subjetiva.
Mas eu gosto de críticos e gosto da ideia de crítica. Foram muitos os críticos que me ajudaram a compreender melhor o que via, ouvia e lia. Críticas de livros, de cinema, de teatro, de música, de jogos, de artes plásticas, de televisão, feita por muitos e diferentes críticos, deram-me o vocabulário e a bagagem para fazer sentido do que experimentava e ajudaram-me a descobrir obras e autores que de outro modo não conheceria.
Descobri também, por experiência própria, como é difícil escrever crítica. Um músico americano disse que escrever sobre música era como dançar sobre arquitetura. Suspeito da intenção com que o disse, mas eu leio na frase também a dificuldade que é escrever sobre algo que se experimentou emocional e sensorialmente, e de uma forma que seja sedutora e informada. A crítica é, por isso, também uma forma de literatura, se bem que uma literatura investida de uma particular forma de responsabilidade, que pode ajudar outros a querer ter a mesma experiência, a entendê-la, a contestá-la ou mesmo a rejeitá-la.
É por gostar de crítica que fico muito feliz que os meus trabalhos sejam criticados por outros, pois isso ajuda-me a ver aquilo que faço de forma diferente. E é coisa de maravilha encontrar críticos que entendem e apreciam o que fazemos, como aconteceu agora com A Grande Emissão do Mundo Português, de que pude contar com a leitura perspicaz do Manuel Xestoso, na Erregueté, e com o entusiasmo do Javier Vallejo, no El Pais.