A revolução de Natal

 

 

 

 

 


"Nunca mais fazem a revolução!" barafustava a cliente dentro da loja de panos. Arrebitei as orelhas, interessado, claro. Afinal, quantos apelos à revolução nos surgem no Natal?
Menos do que seria suposto: desde a revolta dos escravos da Jamaica até à queda de Ceaușescu, o Natal foi também um tempo propício a protestos, reviravoltas, transformações. Já para não falar que o Natal é em si uma revolução: o solstício, em que a Terra conclui uma revolução em torno do sol, o nascimento da redenção entre a palha e os animais.E as revoluções são o sal da vida, aqueles momentos em que a rotina quebra e sentimos a vertigem de algo novo surgir diante dos nossos olhos.
A cliente continuava o seu protesto: contra a passividade, contra os políticos despóticos, contra a corrupção, contra a falta de futuro e o excesso de passado, contra tudo aquilo que a oprimia, a fazia sofrer. Perante duas empregadas de loja atónitas, que seguravam impotentes uma toalha de mesa aberta, embora não houvesse mesa para decorar, nem pratos reluzentes para lhe colocar em cima.
Acabou por ir embora a cliente, importunada com a limitação de pessoas em espaços fechados, provavelmente a ir levar o seu protesto a outras lojas e lugares. Mas ficou aquele mal-estar íntimo que se transformava no mal-estar de todos, aquele querer que o mais pequeno incómodo transformasse o mundo inteiro.

Enquanto a cliente saia, de cabeça erguida e lábios fervilhantes. seguida pelo olhar atónito de clientes e empregados, eu tive a certeza que aquela mulher só se podia chamar Maria.

Votos de que este Natal e Ano Novo seja feito de revoluções íntimas e universais!