Bajazet, considerando o teatro e a peste
Já tinha ouvido muitas histórias sobre Frank Castorf, mas só agora pude ver uma das suas encenações ao vivo. "Bajazet, considerando o teatro e a peste" pega numa tragédia neoclássica de Jean Racine e polvilha-a de citações de Artaud, Dostóievski e Pascal, que serve numa bandeja plena de ideias visuais e de interpretação concretizadas com um perfeccionismo impressionante.
À primeira vista, seria estranho misturar a elegância formal de Racine com a selvajaria de Artaud e o cristianismo angustiado de Pascal e Dostóievski, mas a sobreposição de textos - um dos mais felizes exemplos da potência da reconstrução dramatúrgica que me foi dado a ver - quebram a armadura aristotélica de Racine para revelar o interior do texto: a solidão, o desespero, a fragilidade das personagens num mundo - o serralho islâmico - que deveria ser perfeito, mas que na verdade é feito de tantos egoísmos, dúvidas, sofrimento inexprimível como um estabelecimento de diversão noturno, e onde perpassa a espera suja e atroz por um sultão tão ausente e opressivo como a própria morte.
Vi o espectáculo no mesmo dia em que lia uma passagem de Simon Crichtley onde ele citava uma atriz francesa, Isabelle Huppert, em que esta afirmava que o teatro não é apenas feito de ideias, mas principalmente de "aliveness": vivacidade, vivez, intensidade, fulgor. E outra atriz francesa, Jeanne Balibar, e os seus companheiros confirmaram-me que é mesmo isso que deve acontecer e por vezes acontece em palco.