O Mundo da Escrita

 

Conheci Martin Puchner há uns anos. O arquétipo do intelectual norte-americano: muito inteligente, hiperativo, com uma cordialidade descomplexada e aquela curiosidade desinibida de quem acha tudo novo e incrível ou potencialmente novo e incrível.

Os seus livros mais académicos são uma fonte notável de ideias e dados, impressionante na sua amplitude, num tempo pouco dado a obras de visão panorâmica.

Há alguns anos que tinha comigo esta sua primeira incursão em obras dirigidas ao grande público, mas só agora, talvez incentivado pelo sucesso de uma obra espanhola um tanto parecida, me dediquei a lê-lo.

Puchner, numa série de vinhetas históricas desenvolvidas, procura compreender de que forma a escrita e os livros - todo o tipo de livros, desde filosóficos, teológicos, literários, líricos, etc. - afetaram as sociedades e as culturas.

Para tão grande ambição, os exemplos teriam de ser limitados, e é o que acontece. Puchner foca-se mais em exemplos mais ou menos expectáveis - o mundo do Gilgamesh, a Bíblia, o Manifesto do Partido Comunista, etc., embore procure também investigar lugares inesperados, como o Romance de Genji ou a poesia na Rússia ou a literatura das Caraíbas.

A isto acresce que Puchner não pode, nem quer, escamotear o facto de que o impacto que cada obra literária tem no mundo é também condicionada pela cultura que o produz, por um emaranhado de pessoas, situações, contextos, - um rei mais erudito, uma situação tecnológica específica, um contexto económico explosivo -, muitas vezes aparentemente apenas acidentais, que potenciam o impacto de dada obra ou autor na sua cultura, desta forma revelando as limitações da tese de Puchner, da importância do mundo escrito para o mundo material.

No seu todo, estas discussões sobre livros e culturas são interessantes, quase cativantes. Puchner esforça-se - por insistência da sua editora, como confessa nos agradecimentos - em dar uma abordagem mais pessoal, e até fala da experiência de visitar muitos dos sítios que menciona, mas o livro acaba por ficar numa zona um tanto cinzenta, sem o festim senso-emocional de um livro de grande público, nem a profundidade intelectual de um livro científico ou académico.

Fica por isso como uma fonte de ensinamentos, reflexões e pormenores curiosos, mas não muda o mundo, da mesma forma como Puchner não nos consegue persuadir que os livros poderiam mudar o mundo.